Tempos de Colégio (8)

Anotem em suas agendas: 20 de agosto é dia do encontro anual do Mendes. Este ano será na, até que enfim reformada, casa da Irani. Pegue sua lista e ligue para os mais chegados. Se não a tem peça para Irani ou para a Sandra que elas mandarão para você. Se não tem o endereço eletrônico delas mande a mensagem para cá que repassaremos para elas.

Jaime, sempre Jaime: observação e história.


Observação

Parece-me que o pessoal do Mendes não era muito bom em observar. Miss do Prado nunca teve Volks (ele só surgiu no Brasil em 61). Miss do Prado tinha um Renault "Rabo quente", igual ao da dona Amália e foi, justamente, o da dona Amália que foi colocado entre as árvores da Rua Jari.
História

As aulas de encadernação acabaram por se tornar um convite à bagunça geral. Por mais que o Professor Alcides tentasse colocar alguma ordem na turma, com os seus repetidos pedidos de ... – “Silêncio ! ...”, nada acontecia.

Tentávamos de todos os jeitos costurar as “brochurinhas“, porém a coisa ficava totalmente desengonçada. A solução era apelar para mais uma passagem de linha ali, um pontinho fora do lugar e... pronto! Tínhamos um bloco totalmente desarrumado, com as folhas bambas e um emaranhado de linhas unindo tudo.

Foi em uma destas ocasiões que olhando para o grande vaso de cobre onde era colocada a cola (aquela chamada de “animal”, feita com restos de cartilagens, de cor marrom e de um cheiro nauseante...) que tive uma brilhante idéia... após o recreio colocar junto com a cola alguns pedaços de banana d'água, servida no lanche. Provavelmente tudo ficaria da mesma cor e, quem sabe, talvez o cheiro ficasse melhor.

O resultado não foi bem o esperado. No dia seguinte uma infinidade de formigas haviam se atirado na vasilha de cola, ficando por lá. Embora o Professor Alcides tivesse perguntado pelo autor da façanha, preferi ficar calado, pois eu sabia que era ponto de honra, nenhum dos garotos entregar o outro. Limpar a vasilha foi tarefa para alguns dias, pois sempre haviam algumas formigas presas na cola.

Para que tivéssemos mais trabalho, a oficina havia recebido vários livros pertencentes a outras bibliotecas de escolas públicas para serem restaurados.

O trabalho começava pela retirada de capas e restos de encadernação, para que depois cada folha fosse vistoriada e, se preciso, colada com papel-manteiga. Uma nova costura era feita, enquanto outro grupo se encarregava de montar uma capa dura, feita com papelão e percalina. Serviço de profissionais.

A última operação, antes de ser colada a capa, consistia em acertar a contra-lombada, o topo e o pé da folha. Para isso, verificávamos com muito cuidado cada rodapé para ver o quanto poderia ser cortado, geralmente coisa de um a dois milímetros. O corte era feito em uma guilhotina alemã, fabricada em Bremen, e que, segundo dizia o professor Alcides, cortava mais do que uma navalha. Por causa disto, operar tal máquina exigia pisar em um pedal, puxar a trava e baixar a alavanca da lâmina, tudo ao mesmo tempo, para que não houvesse a mínima chance para qualquer acidente, pelo menos assim pensava o fabricante.

Examinado o livro, este era colocado na guilhotina e cuidadosamente centrado e ajustado, para que o corte não avançasse mais do que o necessário. A capa já estava pronta, com o nome gravado em baixo-relevo.

__ Veja bem, professor...é isso mesmo? ...

__ Silêncio.... vou ver... menos um pouco. Corte um milímetro e meio, apenas!



Enquanto isto, um outro colega, disfarçadamente, se colocava atrás da guilhotina empunhando um cabo de vassoura ou algo semelhante.

__ Vou cortar, professor... é isso mesmo? Tem certeza?

__ Aperte o pedal... é ele quem comprime o papel para o corte ficar perfeito. O livro não pode se movimentar, senão o corte ficara torto... puxe a trava...



Porém a seqüência de operações não era seguida à risca, e quando a alavanca da lâmina era baixada, a pressão no pedal era aliviada, permitindo que o comparsa com o cabo de vassoura empurrasse o livro para frente.

Resultado: em vez da retirada de uma estreita fita de um ou dois milímetros, o livro era cortado... ao meio... restando apenas um monte de retalhos triangulares de papel.

Está claro que o Professor Alcides babava e urrava, porém fazíamos questão de provar que a culpa de tudo era dele mesmo, pois havíamos perguntado várias vezes se era aquilo mesmo.

Após estragarmos alguns livros, resolvemos acabar com a brincadeira, já não agüentávamos mais ver o professor a se lastimar e fazer sempre a mesma pergunta:

__ O que leva um indivíduo que deveria ser normal a passar duas semanas a descosturar, colar e costurar um livro, para depois reduzir tudo a um monte de retalhos de papel?...


Contaram-me, não sei se é verdade. Um dia o Jaime vinha tranqüila e distraidamente descendo do andar das salas para o corredor da administração quando, ao chegar ao pé da escada, deu de cara com o Prof. Feio, que imediatamente lhe falou:

__ Suspenso por três dias.

__ O que eu fiz professor?

__ Não sei, mas você sabe muito bem. E trate de se descolar dessa parede que você não é aranha e não tem aí nenhuma teia.

MOACYR WALDECK é ex-aluno do Colegio Estadual Prefeito Mendes de Moraes (1957: 2º gin/1960:1ºcient)- mowaldeck@yahoo.com.br
O contador da história da encadernação é o Jaime Moraes (veja mais)

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