Talvez eu esteja errado, talvez o que eu vou dizer não se aplique ou não seja possível a um povo secularmente afeito a uma maneira de pensar tão diversa da do povo japonês, enfim, talvez levemos muito tempo para mudar e, se não mudarmos não chegaremos lá.
Sou budista, seguidor de uma escola zen e uma parte importante do meu treinamento consiste na prática do desapego. Essa é uma tarefa difícil, inclusive para os japoneses, mas a diferença entre aqui e lá é que lá há sempre alguém orientando. Como o zen caracteriza esse povo, independente de seguir ou não, praticar ou não, assim como o catolicismo está impregnado na nossa maneira de ser, o zen molda a forma de agir e pensar do japonês.
Não quero criticar a filosofia de vida, a linguística, a cultura nem a religião, mas o desapego é, em última análise, uma grande riqueza.
Tudo o que temos, por mais agradável que seja, pode ser motivo de sofrimento na medida em que desperta, em nós, o medo de perder. Ocorre que ter implica em perder, ainda que seja o interesse pelo que conquistamos. Compramos um carro e temos que cuidar dele, nos apaixonamos por alguém, temos filhos e nos damos conta que podemos ser roubados e que as pessoas podem nos abandonar ou morrer e sofremos com isso. Não há nenhum mal em ter, obter, conquistar, mas usar o que temos para nos sentimos seguros ou superiores ou pior, acharmos que a nossa felicidade depende disso nos torna dependentes de coisas que, absolutamente, não nos sustentam.
No aniversário de nascimento do buda Shakyamuni há uma cerimônia tradicional em que se banha a cabeça da imagem do buda criança com três colheradas de chá adocicado. Quase todas as pessoas, inclusive os descendentes de japoneses interpretam isso como a oportunidade de formular três pedidos e nós orientamos o oposto, quando você chegar ao altar livre-se de três coisas, uma colherada, quero sentir menos raiva, duas colheradas, preciso ser menos egoísta, três colheradas e serei menos ganancioso.
Nós ocidentais temos por hábito encontrar motivos, razões e explicações para tudo. Fazer isso para obter aquilo, ter objetivos, ser eficiente, realizar e quando alcançamos as nossas metas descobrimos que serão necessárias novas metas para que a vida continue a ter motivação. Brasileiros e povos de cultura monoteísta em geral aprenderam a pedir, esperar recompensas fazer o que quer que seja para ou em troca de algo. A vida só tem sentido enquanto tiver motivação. Mentira! A vida é bela e gratificante por si mesma, não precisamos de mais nada, estamos vivos e isso é maravilhoso.
Roubar sabendo que está errado acarreta um grande peso na consciência e um dia, mais cedo ou mais tarde nos arrependeremos disso. Criminosos vivem sobressaltados, com medo da própria consciência. Abrir mão, dar, despojar são atitudes que acalmam e confortam. Abrir mão da própria vida aceitando a velhice, a doença e a morte como inevitáveis é aceitar os desígnios divinos. Querer ser jovem e viver para sempre ou imaginar que existe uma alma imortal é blasfêmia, é se achar mais importante que todos os demais seres da natureza e perder a oportunidade de viver e sermos felizes enquanto estamos aqui.
Sofremos por querer o que não temos, por não gostar do que temos, por amar a quem não está conosco, por não amar a quem vive ao nosso lado, enfim por querer reter, obter ou lamentar a perda de coisas cujo valor é relativo. No deserto trocaríamos uma joia por um copo d'água. O dinheiro ou o ouro pertenciam a outras pessoas que poderiam precisar deles. Ficar com o achado não é sorte nem esperteza é pobreza de espírito e falta de honra. Pode ser causa de arrependimento. No lugar dessas pessoas esperaríamos que elas nos devolvessem o bens perdidos. Tudo o que vai volta. É o Tantra universal.
Olhe para eles e olhe para nós.