Estamos vivendo uma época na qual duas questões passaram a fazer parte dos diálogos de todos nós: a falta de tempo e o culto (que não reconhecemos) à lamentação. Se estamos numa fila de banco ou de mercado, iniciamos um bate-papo com a pessoa mais próxima, queixando-nos do tempo que perdemos na fila ou de da lentidão do caixa.
Se a outra pessoa estiver disposta a lamentar também - o que é muito comum - a conversa vai além e não faltará motivo para se lamentar: impostos e tudo o que nos é imposto, falta de emprego e o desprazer com o tempo mal empregado, educação ou a sua falta, solidão ou o atrito constante com o parceiro que não consegue ser nunca aquele que gostaríamos que fosse, quando também não conseguimos nunca ser aquela que ele levaria para a tal ilha deserta.
Realmente é fácil encontrar razões para iniciar o lamento, o difícil é encontrar uma forma de interrompê-lo. Pena que não tenhamos o hábito de nos olhar em um espelhozinho nas filas, porque, se víssemos a expressão desagradável que temos ao abrirmos o leque das lamúrias, pelo menos por uma questão estética, deixaríamos o ouvido do infortunado companheiro de fila em paz.
Quando o clima está pesado mesmo, os mais sensíveis podem até observar uma nuvenzinha de fumaça negra se formando acima da cabeça dos queixosos. É uma espécie de paralisia energética que torna os movimentos e a fala dessas preciosas vítimas do destino uma representação enfadonha de sua própria existência, criando uma seqüência desagradável, em câmara lenta, do mais grave pecado capital que é o mau humor.
Quero propor uma atitude inusitada diante da lamentação: cada vez que você se flagrar prestes a soltar a língua lamentando de tudo e de todos a sua volta, como se você fosse o exemplo mais sublime da perfeição a quem é dado todo o poder de crítica do universo, experimente morder a língua. Mas morda levemente, senão, ao final do dia, você vai começar a lamentar da dor física, esta, sim, uma lamentação construtiva, já que você poderá ter certeza de que você foi o único responsável por ela.